Como tudo no Direito, a resposta é um sonoro depende.
O Código Civil (Lei Federal 10.406/02) estabelece que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social (CC/02, art. 82). Assim, os animais são categorizados como bens de natureza semoventes, podendo inclusive ser objeto de relação jurídica (compra e venda, por exemplo). Isso acontece diariamente quando um casal busca alguma loja de animais para a compra de um pet (cão ou gato, por exemplo).
Ocorre que, com o passar do tempo, o vínculo entre a família e o animal de estimação aumenta. Escolhe-se nome e compra-se roupas. Faz-se festa de aniversário. Leva-se a passeios. Apresenta-se aos demais familiares e amigos, entre outros. Assim, os bichinhos tornam-se verdadeiros “membros da família moderna”. Com dormitório próprio, alimentação balanceada e sem glúten e tudo mais.
Tamanha é a repercussão disso que atualmente os juristas já falam em família multiespécie. Aquela formada por humanos em convivência compartilhada com animais de estimação. Bastando-se demostrar por meio de prova documentada (fotos, vídeos, por exemplo) um convívio duradouro e um laço de afeto entre o “pet” e demais membros daquela família.
O problema é que quando as escovas de dentes se separam (pondo fim à relação conjugal), o casal extingue o relacionamento e cada um parte em uma nova jornada.
Mas e o animal de estimação? Seus hábitos, necessidades e tudo mais?
Como fazer com a imensa “saudade e a tristeza pulsante” no coração irracional dos bichinhos? Se a dor da partida é intensa para o humano, para o bichinho também o será. Isso ninguém discute.
Assim, cresce hodiernamente o argumento de que os animais de estimação não devem ser considerados como simples coisas (bens semoventes). Ao contrário, na atual conjectura de família multiespécie, eles são dignos de tutela jurídica e tratamento peculiar. Até porque, segundo o IBGE, existem mais famílias com gatos e cachorros (44%) do que com crianças (36%).
Diante dessa realidade social, os Tribunais do país têm-se deparado com situações de divórcio e dissolução de uniões estáveis em que a única divergência está justamente na definição da custódia do animal de estimação. Com quem ficará e como se cuidará do bichinho? São perguntas e inquietações que enchem de lágrimas os olhos dos tutores que entendem perfeitamente que os animais necessitam de cuidados constantes e nada têm a ver com o fim do relacionamento.
Assim tem ocorrido, a ponto de parte dos juristas nacionais já defenderem que os animais devem ser considerados sujeitos de direitos, ainda que não sejam pessoas. Para tais estudiosos, é legítimo separar os conceitos de “pessoa humana/jurídica” e o conceito de “sujeito de direito”, possibilitando, com isso, a proteção aos animais na qualidade de sujeito de direito sem personalidade.
De mais a mais, quando do divórcio, não é possível aplicar o instituto da guarda aos animais de estimação. A guarda, instituto de direito de família, não pode ser simples e diretamente aplicada para animais de estimação. Isso porque a guarda envolve não apenas direitos, mas também deveres do guardião para a pessoa sob guarda. Isto posto, não é possível equiparar a posse de animais com a guarda de filhos. Os animais, mesmo com todo afeto merecido, continuarão sendo “não humanos” e, por conseguinte, portadores de demandas diferentes das nossas.
Também é certo que a Constituição Federal de 1988 (Lei mais importante de nosso país) estabelece a dignidade humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF88, art. 1º, inciso III). Nossa Constituição Federal também destinou um capítulo (CF88, art. 225) para tratar do meio ambiente.
Logo, a ordem jurídica não pode, simplesmente, relativizar a importância do vínculo estabelecido entre o humano e seu animal de estimação. Assim, o legislador estabeleceu como crime punido com reclusão de 02 a 05 anos, além de multa para aquele que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais, domésticos (cão ou gato), aumentando-se a pena de um sexto a um terço, se ocorrer a morte do animal (Lei Federal 9605/98, art. 32).
Assim, pelo fato de o Direito ter como norte os fatos sociai e culturais, resta evidente a necessidade de solução para as disputas no âmbito da entidade familiar em que se prepondera o afeto de ambos os cônjuges por seus bichinhos. Portanto, a solução deve buscar a preservação e a garantia dos direitos da pessoa humana, mais precisamente o âmago de sua dignidade. Logo, negar o contato do indivíduo com o animal de estimação em razão do fim do relacionamento viola a dignidade da pessoa humana.
Isto posto, na dissolução da sociedade conjugal (casamento, união estável) em que haja conflito em relação ao animal de estimação, a solução deverá buscar atender aos fins sociais e as exigências do bem comum. Atentando-se para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.
No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível o reconhecimento do direito de visita ao animal de estimação adquirido na constância da união estável ou casamento, comprovada a relação de afeto entre o humano e o animal (STJ. 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 -Info 634).
Por todo o exposto, resta legítimo que o magistrado, em enfrentar casos de encerramento da sociedade conjugal onde se discuta a visitação de animais de estimação por parte de seus tutores, decida visando satisfazer a dignidade humana, aplicando-se ao litigio os institutos do direto de família assegurando-se os fins sociais, visto que os animais de estimação tornaram-se parte da família multiespécie e não mais bens de natureza meramente patrimonial.
Fonte de Pesquisa:
- 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 (Info 634);
- CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Informativo STJ-634. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/informativo/detalhes/42e7aaa88b48137a16a1acd04ed91125>. Acesso em: 12/03/2022;
- Superior Tribunal de Justiça Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-06-19_20-21_STJ-garante-direito-de-excompanheiro-visitar-animal-de-estimacao-apos-dissolucao-da-uniao-estavel.aspx> . Acesso em: 12/03/2022;
- Constituição Federal de 1988. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm > Acesso em: 12/03/2022;
- Lei de Crimes Ambientais. Lei Federal 9605/98. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm > . Acesso em: 12/03/2022.